A
Educação Física ainda tem suas raízes de pesquisa científica na
temática das Ciências da Natureza, com olhar para a pesquisa tradicional
em que o entendimento do corpo é feita numa perspectiva voltada para a
objetividade cuja abordagem é biológica e mecânica, realizada com
caráter quantitativo, descontextualizada e generalizada. Elaborada de
forma fragmentada e manipulada segundo os postulados cartesianos, onde
se centra no que há de semelhante entre os homens, o organismo e seu
funcionamento, desconsiderando suas diferenças (Silvia et al., 2008),
pensamento esse que é observado no filme “Metáfora do Relógio” onde a
medicina se preocupa com o funcionamento do organismo enquanto ‘’corpo
objeto’’ como cita o texto, de forma dissociada, biológica e
mecanicista, o que acaba por ocorrer com a pesquisa quando o contexto e o
histórico são desconsiderados. De modo que ao relacionar o corpo humano
a um objeto e suas partes, destituí-se o mesmo de cultura, emoção e
sentimentos, o que é inviável, uma vez que, não há como dissociar o
corpo dos valores e do contexto social.
A
expressão corporal, as atividades físicas e até mesmo o esporte estão
permeados de significados complexos o que leva profissionais e
pesquisadores da área a buscar respostas para seus temas em outros
campos do conhecimento, questionando mais fortemente a pesquisa
tradicional, e se valendo da pesquisa no olhar das Ciências Humanas e
Sociais voltada para o referencial cultural, o que passa a ser
fundamental para o reconhecimento do ser humano enquanto objeto e
sujeito na construção do conhecimento, em que o contexto social,
psicológico e humanista são essenciais, o que vai ao encontro dos ideais
de Paulo Freire, que usa dessa temática no entendimento da educação,
ressaltando a importância de levar em consideração o histórico local e
pessoal.
Para
Daolio, citado no texto, a cultura é a principal categoria para o
estudo da Educação Física pois enfatiza a inter-relação e a comunicação
das dimensões motora, psicológica, social e cultural, contribuindo para a
substituição de uma visão fragmentada por uma compreensão sintética de
homem, considerando o corpo como a síntese de determinado contexto, de
uma identidade social, com registros de um tempo e contexto social
específico, onde se é possível e necessário identificar as intenções,
emoções e expressões realizadas por diferentes sujeitos.
Na
construção do conhecimento na área da Educação física existem dois
principais paradigmas de pesquisa: o quantitativo-realista
(objetivista), e o qualitativo-idealista (subjetivista), e é dentro
desses paradigmas que a pesquisa busca encontrar bases sólidas para o
entendimento das questões humanas.
Para
pensar na área da Educação Física a partir das Ciências Humanas é
preciso estar embasado em teorias, autores e visões específicas. Para
Minayo, por exemplo, os critério para compreender o sujeito social é
entender o passado e, portanto a pesquisa baseada nas Ciências Sociais
deve ter uma fundamentação histórica, considerar a expressão do próprio
sujeito na pesquisa, realizar a pesquisa em construção conjunta com o
sujeito, considerar que as Ciências Sociais são intrínseca e
extrinsecamente ideológicas, levando em consideração que esse tipo de
pesquisa é essencialmente qualitativa o que caracteriza seus resultados
como apenas um recorte do que representa o grupo estudado, o que não é
um problema, uma vez que não é esperado encontrar relação de causa e
efeito, e sim entender as relações, contextos, experiências vividas,
pensamentos, ponderações dentro do cenário observado, e não
necessariamente transpor os achados para toda uma população como
verdades absolutas.
Como
discutido em sala a pesquisa qualitativa investiga o que é subjetivo,
no entanto é realizada de forma objetiva. Quanto mais próxima ela está
de um experimento, menos qualitativa ela se caracteriza, podendo colocar
esse tipo de pesquisa em um contínuo em que a pesquisa pode estar mais
na extremidade qualitativa ou na extremidade quantitativa.
O
mais importante ao se realizar a pesquisa qualitativa é a preocupação
com o delineamento ou desenho do estudo e não o método. O desenho é
determinado em aspectos como: “no que se baseou”, “qual o contexto”,
“qual a natureza da pergunta” dentre outros, sendo ele formado com a
teoria de base, a experiência do pesquisador e sua visão de mundo. Estes
elementos levam à pergunta de pesquisa, que surge por meio da
observação e imersão, estando mergulhado no ambiente, para que o
pesquisador possa refletir e se inserir no contexto que está sendo
pesquisado, assim como, refletir sobre as ações observadas.
A
pesquisa qualitativa não completa ou integra a pesquisa quantitativa,
o primeiro modelo segue o sentido do pensar e refletir dentro de um
contexto, e o segundo tem suas bases focadas no raciocínio lógico. Assim
para entender os delineamentos da pesquisa qualitativa é preciso
aceitar que muitas vezes o que não consideramos ciência pode servir como
base para um determinado grupo ou pessoa, por vezes melhor do que
qualquer ciência tradicionalmente aceita e nenhuma se sobressai a outra,
mais sim enxerga determinados pontos distintos seguindo uma forma de
pensamento especifico.
Em relação à estrutura, vale ressaltar que a pesquisa qualitativa
possui introdução que é caracterizada pela trajetória do pesquisador e
uma contextualização; a problematização, que consiste no embasamento
teórico; a aplicação do método em campo em que o pesquisador é o
instrumento e utilizará estratégias para a coleta de dados; em seguida a
descrição, análise ou interpretação dos dados e, por fim as
considerações finais que são reflexões sobre os desdobramentos da
pesquisa. Uma pesquisa qualitativa não possui conclusão pois uma de suas
características é não ser conclusiva, ou seja, ela irá apresentar um
aspecto de um contexto visto por um prisma e não é uma verdade absoluta.
Ainda
dentro do entendimento das pesquisas científicas alguns autores tem se
questionado e criticado a qualidade de estudos e artigos produzidos,
considerando que a Educação Física brasileira alcançou um importante
desenvolvimento na produção científica, o que também gera um grande
volume de informações desqualificadas, é importante analisar e verificar
a qualidade do método científico, reprodutibilidade e critérios das
pesquisas escolhidas como base.
O
texto de Schulz et. al. (2011) apresenta algumas das políticas adotadas
em periódicos nacionais para qualificar, classificar e quantificar
artigos de revisão, que está dividido como reviões narrativas e as
revisões sistemáticas, ele observa que um dos grandes desafios de uma
área é desenvolver um corpo de conhecimento sólido que possa fundamentar
e nortear a prática.
O
texto demonstra que as revisões narrativas apresentam-se em maior
número e consiste em uma abordagem mais aberta que não exige um
protocolo rígido, e a busca das fontes não é pré-determinada e
específica o que a faz ser menos abrangente e de menor qualidade,
enquanto a revisão sistemática adota um método padronizado, com maior
rigor científico, com procedimentos de busca, seleção e análise bem
delineados e claramente definidos, o que confere maior qualidade e
validade, e por isso é mais apreciada por editores de periódicos.
Com
tudo o que foi dito, fica a expectativa de que os profissionais e
pesquisadores da área possam refletir, estudar e entender a pesquisa
científica de uma forma ampla, dentro de diferentes paradigmas, sendo
capaz de identificar e escolher aquele adequado para o que o seu estudo
pede, de modo que tratar com objetividade algo que é subjetivo, ou
tratar com subjetividade algo que é objetivo é um erro na busca pela
pesquisa de qualidade.
Referências Bibliográficas
SCHÜTZ,G.R. Et al. Política de periódicos nacionais em Educação Física para estudos de revisão/sistemática. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2011, 13(4):313-319.
SILVIA. Et. al. A pesquisa qualitativa em Educação Física: possibilidades de construção de conhecimento a partir do referencial cultural.. Educação em Revista 2008, n. 48, p. 37-60