No campo da saúde uma série de eventos
que acontecem estão relacionados ao comportamento das pessoas e, neste sentido, o pensamento que norteia essa questão facilmente pode ser dirigido a uma lógica simples: se os problemas de saúde estão
relacionados ao comportamento das pessoas, então a solução para esses problemas está
na mudança de comportamento.
Especialmente após a Segunda revolução epidemiológica muitas medidas
começaram a ser tomadas para direcionar a mudança de comportamento das pessoas, muitas vezes a qualquer custo,
impondo as ações que deveriam ser adotadas pelo indivíduo para prevenir
doenças, sem que houvesse estreita preocupação com as características pessoais e culturais, com os gostos, desejos e vontades e com o sentido do "novo" comportamento para o
indivíduo, portanto, sem levar em consideração que as pessoas têm autonomia.
A promoção da saúde, assumindo uma perspectiva de
humanização, defende que o serviço de saúde deve ser reorientado para que
“seja sensível e respeite as necessidades dos indivíduos”, ou seja, leve as
pessoas a pensar sobre o que fazem, sem imposições, mas estimulando a autonomia, pois todos nós temos autonomia, autonomia é uma
condição humana!!!!!
Autonomia
Autonomia e “empowerment” estão dentre os conceitos mais utilizados quando se fala em Promoção da Saúde, e estão intimamente relacionados - um torna-se meio para o outro.
A autonomia é uma condição humana que
está relacionada com conhecimento, pensamento crítico, consciência. Com o saber argumentar e
sustentar uma convicção, uma opinião e nos traz uma ideia de liberdade, inclusive para lidar com a nossa saúde. Nesse sentido, a autonomia seria “ampliação do controle ou domínio
dos indivíduos e comunidades sobre os determinantes de sua saúde” (Teixeira et al., 2008).
A ideia de autonomia (auto = próprio, nomos
= norma, regra, lei) conduz o pensamento imediatamente à ideia de liberdade
e de capacidade de exercício ativo de si, da livre decisão dos indivíduos sobre
suas próprias ações e às possibilidades e capacidades para construírem sua
trajetória na vida (Teixeira,
et al 2008).
Para alcançar uma autonomia é necessário que haja uma rede de apoio para o desenvolvimento humano que compreenda, além das questões básicas de vida e sobrevivência, o acesso a cultura, a produção
humana, o conhecimento. O desenvolvimento humano, por sua vez, não se dá sem
saúde e o contrário também é verdadeiro, pois sabemos que as condições sociais
e econômicas dos indivíduos influenciam em seu estado de saúde e no que
entendem por saúde.
Para entender melhor sobre a autonomia como condição humana, uma dica
de leitura: FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25 ed.
São Paulo. Paz e Terra, 2011.
O “Empowerment”
O termo “empowerment” é analisado por Carvalho (2004) classificando-o em duas vertentes: o psicológico, um lado que aponta mais para a ideia de individualidade, passando uma visão de que cada pessoa é
capaz de escolher o seu destino, ao mesmo tempo em que possibilita uma
compreensão de culpabilização das vítimas pelos seus problemas de saúde, quando há a "não escolha" de algo que lhe fora informado como método para prevenção
de determinada doença (sem levar em consideração o porquê daquela “escolha”). A segunda vertente apontada pelo autor é o “empowerment” comunitário, que está estritamente relacionado àquilo que é preconizado pelo pensamento de Promoção da
Saúde,. Nessa perspectiva o “empowerment” tem
relação direta com uma autonomia comunitária, com capacidade de os sujeitos de uma
determinada sociedade reconhecerem seus próprios direitos,
conseguirem ter o conhecimento das ações que podem tomar para obterem
benefícios direcionados diretamente a eles como um grupo, não apenas como
indivíduos separadamente. É o pensar não somente em si, como também no outro e
num bem comum a todos.
Em aula levantamos até o
questionamento de que autonomia e “empowerment”
estão associados também com a consciência de não estar sozinho no mundo, pensar também nas
outras pessoas, na comunidade e até mesmo saber pensar inclusive para tomar a decisão de não
fazer algo pensando no bem de todos e abrindo mão de uma coisa que faria bem
apenas para o próprio indivíduo.
Quando o “empowerment” psicológico é exclusiva meta a ser atingida, torna-se permissível que outras formas de poderes se aproveitem para justificar ações como a privatização da saúde, ou ações individuais
nas quais apenas a maioria que tem acesso a produção humana de conhecimento
tenha condições para ter autonomia de escolha de hábitos saudáveis que a levem
a prevenção de doença. Este tipo de uso deve ser considerado equivocado.
O “empowerment”
psicológico pode ser analisado no âmbito da sensação de autoconfiança do
sujeito que irá levá-lo a posterior atividade em grupo, mas não se deve tratar
o conceito focando apenas no individual. O sentido coletivo deve também fazer parte do
conceito e, por isso, a definição de “empowerment”
comunitário torna-se mais adequada na utilização para Promoção da Saúde,
por ter relação direta com a autonomia coletiva, na qual o poder é
distribuído de forma igualitária na sociedade, caracterizando os âmbitos
subjetivos, sociais e pessoais ao mesmo tempo em articulação com os determinantes sociais e ambientais (Carvalho, 2004).
É importante ressaltar também que quando
falamos em autonomia e “empowerment”,
ambos estão interligados e dependentes de fatores como a liberdade de se
expressar e indagar contra ou a favor de algo, o conhecimento para argumentar
sobre circunstâncias, e também da educação fornecida pela vida ou que também
pode ser classificada como a educação moral, na qual os valores de uma
sociedade são intrínsecos no conceito deste termo.
Percebemos
diante de tudo isso que para ser autônomo consigo e com a comunidade é
necessário uma educação para a autonomia. Nesse sentido há os Grupos de
Promoção da Saúde (GPS) que são “uma integração coletiva e interdisciplinar de
saúde, constituído por um processo grupal dos seus participantes até o limite
ético de eliminação das diferenças desnecessárias e evitáveis entre grupos
humanos” (Santos et al., 2006).
Considerações finais
Na nossa sociedade nós ainda não temos a construção da autonomia consolidada como meta. A educação em valores, a educação voltada para a vida, não é tarefa consciente da escola, e, aos poucos, essa ausência nos leva para o contexto dos atuais problemas de padrões de comportamentos.
Em sala foi discutido a questão de que é difícil ensinar uma criança a cuidar de si e da sua saúde quando seus pais não têm meios para educarem integralmente e criticamente os seus filhos.
Em sala apontou-se que uma das
possíveis soluções dos problemas comportamentais seria as escolas educarem as
crianças desde cedo para saberem como escolher a melhor maneira de agir por meio do desenvolvimento da consciência crítica, o que deve ser conquistado com acompanhamento e apoio. É necessário também ações que levem em
consideração toda a sociedade e seus valores para que todos possam exercer sua
autonomia e “empowerment” pensando no
bem comum.
No entanto autonomia e empowerment não são uma questão de tudo ou nada, nem são metas atingidas em tempos curtos. Tomando uma situação citada em aula sobre a pressão que os adolescentes sofrem de um lado para o início da vida sexual e do outro pela responsabilidade pelo uso de medidas de prevenção de DSTs e de gravidez indesejada será fácil decidir não transar com um parceiro desejado caso ele não queira transar sem camisinha? Como dizer isso ao seu
parceiro? Como agir em caso de discordância? Mais do que saber o que é certo é preciso ter maturidade suficiente, autoestima elevada e autoconceito positivo para sustentar sua opinião e seus
valores diante de uma situação que envolve emoções, paixões e outras sensações
do momento. É... nada simples! O discutido em sala foi que as chances de o adolescente ceder seriam grandes,
e nesse sentido entramos em uma questão de que ter autonomia é um processo
adquirido ao longo da vida e que, em certas fases da vida ainda estamos construindo
nossa autonomia e também por vezes ao longo de toda nossa vida teremos momento
em que poderemos ser mais autônomos e noutros não.
“Por outro lado
ninguém amadurece de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai amadurecendo
todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si é vir a
ser.” Paulo Freire
Em suma, os conceitos de autonomia e
“empowerment” nos ajudam a entender o sentido das estratégias de Promoção da Saúde, como se estes conceitos fossem mediar nossa visão para a compreensão
melhor do que vem a ser promoção de saúde, para nós futuros profissionais da atividade física,
que vamos lidar com pessoas, com o cuidado com o outro, pela promoção da saúde
por meio da atividade física. Por isso, entender esses conceito torna-se fundamental para nossa prática
profissional, nos norteando em como desenvolver a autonomia em nossos alunos,
de maneira que eles saibam o que fazer, como fazer, porque fazer e possa fazer a
melhor escolha do que mais faz sentido em sua vida e o deixa mais feliz.
Para visualizarmos a complexidade do empowerment coletivo, uma dica é o filme Milk, dirigido
por Gus Van Sant. Milk é
um filme estadunidense
de 2008 baseado na vida do político e ativista
gay Harvey Milk, que foi o primeiro homossexual
declarado a ser eleito para um cargo público na Califórnia, como membro da Câmara de
Supervisores de São Francisco.
Prá finalizar, a música Autonomia (e Cartola) com Sacudindo o Choro e Fernanda Brito
E se pudéssemos exercer nossa autonomia? O que você acha?
E se pudéssemos exercer nossa autonomia? O que você acha?
“Ai! se eu tivesse autonomia
Se eu pudesse gritaria
Não vou, não quero...”
Se eu pudesse gritaria
Não vou, não quero...”
Referências
CARVALHO,S.R.
Os múltiplos sentidos da categoria
"empowerment" no projeto de Promoção à Saúde Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(4):1088-1095, jul-ago, 2004.
FLEURY-TEIXEIRA,P. ET AL. Autonomia como categoria central no conceito de promoção de saúde. Ciênc. saúde coletiva vol.13 suppl.2 Rio de Janeiro, Dec. 2008. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232008000900016&script=sci_arttext
SANTOS, L.M; DA ROS, M.A.; CREPALDI, M.A.; RAMOS,L.R. Grupos de promoção à saúde no desenvolvimento da autonomia, condições de vida e saúde. Rev Saúde Pública 2006;40(2):346-52
FLEURY-TEIXEIRA,P. ET AL. Autonomia como categoria central no conceito de promoção de saúde. Ciênc. saúde coletiva vol.13 suppl.2 Rio de Janeiro, Dec. 2008. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232008000900016&script=sci_arttext
SANTOS, L.M; DA ROS, M.A.; CREPALDI, M.A.; RAMOS,L.R. Grupos de promoção à saúde no desenvolvimento da autonomia, condições de vida e saúde. Rev Saúde Pública 2006;40(2):346-52