sábado, 5 de maio de 2012

Educação em Saúde: Autonomia e Empowerment na práxis em Promoção da Saúde - aula 03/05/12

O foco principal da aula de hoje – 03/05 -  com o texto de Costa e Silva et al (2010) -  foi o de explicitar e contextualizar as transformações que ocorreram nas práticas educativas na área da Saúde desde o século XIX. Por meio de autores brasileiros como Euclides da Cunha e Monteiro Lobato e das iniciativas do Estado até a criação do Sistema Único de Saúde, que, neste último momento, busca atender (segundo Miranda e Barroso, 2004), aos conceitos da pedagogia freireana na Educação em Saúde.
Cada período histórico com as suas características política, econômicas e sociais determina como serão desenvolvidas as atividades relacionadas à Educação em Saúde, por meio dos modelos vigentes nos serviços que buscam a manutenção e os cuidados com a saúde. Na segunda metade do século XIX foi organizado uma pedagogia higienista, que visava europeizar os hábitos da elite brasileira, a fim de legitimar a classe social por meio de seus atributos físicos, psíquicos e sexuais.
No fim do século XIX o Estado iniciou intervenções de Educação em Saúde junto às classes populares para combater as epidemias de febre amarela, varíola e da peste. Foi criada, assim, a polícia sanitária, com ações baseadas no discurso da higiene nas quais predominavam a imposição de normas e medidas de saneamento consideradas científicas, e que desconsideravam as relações entre as condições de vida e as doenças. O que se propunha ser Educação em Saúde tinha, na verdade,  papel coercivo.
Essas constatações sobre o percurso do que foi denominado Educação em Saúde no nosso país deixa clara a tendência medicalizada no trato com as questões da Saúde. A medicina científica teve e ainda tem papel preponderante na divulgação sobre os cuidados com a saúde e isso fica claro, por exemplo,  no uso que a mídia faz dos resultados das pesquisas científicas para a disseminação de "verdades" sobre os cuidados com a saúde.
Nessa perspectiva, fortemente apoiada na ciência positiva, o ser humano é fragmentado em disciplinas e perde-se a visão do todo que é mais complexo. Parece que há a primazia da noção de causa e efeito. Isolar os fatos pode ser fidedigno para a ciência, mais não para o indivíduo, ele não é fractal e nem linear...
É importante que na Educação em Saúde contemporânea considere-se que as pessoas tenham a possibilidade de compartilhar as suas vivências com um educador que o ajude a analisar o seu meio de vida, de modo que as aprendizagens levem a pessoa a ver-se como sujeito que reflete sobre a sua situação, e que possui um contexto com realidades exteriores que são desafiadoras e que podem ser transformadas para gerar uma nova realidade, refletindo sobre sua condição de vida. A Educação em Saúde deve favorecer o desenvolvimento das pessoas para que se sintam capazes de produzir a sua cultura e escolher os caminhos da sua historia.
Os profissionais de saúde são, nesta perspectiva, potenciais educadores, que visam a reflexão para o estímulo à autonomia dos sujeito. A problematização da situação, o diálogo na reflexão e ação buscando transformar e humanizar, a liberdade de expressar  e criar e recriar,  são as ferramentas de uma boa pedagogia neste campo e pode estimular a conscientização do espaço e do histórico, fazendo do homem um sujeito capaz de transformar o mundo.
Se no passado a guerra da vacina foi motivada pela crença de que os menos escolarizados estavam fadados à plena ignorância e à dominação pelos mais favorecidos, e se o o analfabetismo funcional foi alimentado pelas informações prontas fica claro que para uma boa pedagogia em Saúde deve-se abdicar das informações prontas e universais, que não deixam os sujeitos refletirem sobre seus atos. Os conteúdos preestabelecidos limitam a crítica individual e aumentam o desconhecimento e a perda de autonomia das pessoas. Uma simples cartilha pode globalizar as atitudes, e não levam em consideração as individualidades. Se formos estimulados a pensar não precisaremos de cartilhas, apenas de informações que alimentem a reflexão e o diálogo...Paulo Freire com suas obras que ampliam a visão da educação afirma que o ser humano é histórico, e que nós, educadores em Saúde devemos considerar os espaços temporais, para que cada pessoa usufrua do seu direito de refletir de maneira crítica sobre sua existência para alcançar maior autonomia e tornar-se livre.
Mas que profissional é este que levará a cabo as intenções da pedagogia para a Educação em Saúde?  Os profissionais em Saúde são potencialmente educadores. No entanto, apenas a formação acadêmica é responsável pela sua capacitação? Discorrendo sobre isso,  um dos textos usados como referência para esta aula (Miranda e Barroso, 2004) trata do quanto os acadêmicos em enfermagem demandam necessidades específicas por lidarem com os extremos da vida. A sua percepção de qualidade de vida é subjetiva, e a cada sofrimento pessoal com o paciente se desumaniza para poder enfrentar o sofrimento do outro sem abalar a sua própria vida. Com, então, em face destas circunstância podemos nos capacitar para educar em Saúde? Se o trabalho nos desumaniza, será possível estabelecermos diálogos e nos envolvermos com os educandos?
Segundo Miranda e Barroso (2004), toda ação educativa deve, necessariamente, estar precedida de reflexão sobre o homem e da análise do meio de vida do educando, isto é, a quem o educador quer ajudar a educar (o vídeo que conta a trajetória de Paulo Freire colocado no post anterior demonstra isso muito bem). Mas, para tanto, também precisamos pensar nas condições de trabalho do educador. Como no caso dos enfermeiros, é preciso que haja reflexão sobre as possibilidades destes profissionais, considerando o seu contexto.
Essas ideias fundamentadas por Freire que são utilizadas na Educação e também na área de Saúde devem ser uma ferramenta essencial para os profissionais que atuarão na Promoção da Saúde.
O texto de Moacir Gadotti (Perspectivas da Educação) afirma que o conhecimento sempre estará presente em qualquer contexto no cotidiano e na vida dos indivíduos no futuro. A educação, no século XX e XXI, torna-se permanente e com um contexto social cada dia mais complexo demanda mais metodologias e linguagens. Inspirada pelo trabalho de Paulo Freire, a educação segue em duas direções: a educação popular e na educação popular comunitária e sustentável.
Para o autor, o educador é um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação. Ele precisa construir conhecimento a partir do que faz e, para isso, também precisa ser curioso, buscar sentido para o que faz e apontar novos sentidos para o  fazer dos seus alunos.  A aprendizagem não pode ser apenas lógico-matemática e lingüística. Precisa ser integral. Para a vida e a partir dela

  
Reflexões do Grupo

Estamos cientes de que a maioria dos profissionais voltados para as atividades do corpo tem ficado obsessivamente preocupada em encontrar procedimentos que permitam dar cabo de suas tarefas e, em geral, não têm  tempo para se preocuparem, de forma crítica, o sentido das suas ações.
De repente é preciso cuidar do corpo. É preciso tirar o excesso de gordura. É preciso melhorar o desempenho sexual. É preciso competir e vencer. Mas acontece que quase nunca perguntamos a nós mesmos o que é realmente vencer na vida...
Dentro deste panorama, a Educação Física se desenvolve e prolifera em nosso país. A Educação Física que se utiliza do corpo, por meio dos seus movimentos, para desenvolver um processo educativo que contribua para o crescimento de todas as dimensões humanas, é rara. Essa discussão praticamente inexiste nos cursos superiores e na formação dos novos profissionais. .
É nesse cenário que a Educação Física cresce nos últimos anos. Hoje temos em todo o Brasil dezenas e dezenas de escolas superiores de Educação Física, em sua  maioria indisponíveis para discutir claramente as finalidades das suas tarefas.  Seus currículos dos bacharelados se preocupam cada vez menos (ou praticamente nada) em fundamentar essa importante área do conhecimento humano que é educação/pedagogia.
Acreditamos que a Educação Física precisa questionar os seus valores. É preciso que seus profissionais distingam o educativo do alienante, o fundamental do supérfluo de suas tarefas. É preciso discordar mais, dentro, é claro de regras construtivas do diálogo.
Sabe-se agir com as pessoas aplicando materiais prontos, mas falta estimular a autonomia para que essas pessoas critiquem e sejam sujeitos de suas ações. Sem dúvida esse é um papel muito mais complexo do que aquele de prescritor e instrutor de atividades físicas. É sem dúvida mais fácil relacionar a causa ao efeito para que sejam executadas ações em profilaxia imediatista, do que ajudar a pensar o ser humano como um todo, que com ou sem as ferramentas certas tem a vocação de agir por si próprio. 

Segue abaixo a música Saúde de Rita Lee para que reflitamos sobre a aula. Um olhar sobre o desejo daquele que quer a saúde, mas sabe que a conquista dela depende de como vive a sua vida e não apenas do quanto seguem-se cegamente as opiniões daqueles que "sabem" como devemos agir para se ter um mundo melhor...



Saúde - Rita Lee
Me cansei de lero-lero
Dá licença, mas eu vou sair do sério
Quero mais saúde
Me cansei de escutar opiniões
De como ter um mundo melhor
Mas ninguém sai de cima, nesse chove-não-molha
Eu sei que agora eu vou é cuidar mais de mim
Como vai? Tudo bem
Apesar, contudo, todavia, mas, porém
As águas vão rolar, não vou chorar
Se por acaso morrer do coração
É sinal que amei demais
Mas enquanto estou viva e cheia de graça
Talvez ainda faça um monte de gente feliz
Como vai? Tudo bem
Apesar, contudo, todavia, mas, porém
As águas vão rolar, não vou chorar, não!
Se por acaso morrer do coração
É sinal que amei demais
Mas enquanto estou viva e cheia de graça
Talvez ainda faça um monte de gente feliz

Um comentário:

  1. Esse post traz uma síntese sobre questões que consideramos fundamentais para a a nossa atuação como educadores em Saúde. Primeiro porque nos traz apontamentos sobre como a questão da Educação em Saúde foi conduzida no País e, depois, porque traz a tona a necessidade de profundas reflexões sobre a nossa formação... temos um longo caminho a percorre, mas estamos com o pé firme no primeiro passo...

    Referências da aula:

    SILVA, C. M.C. et al Educação em saúde: uma reflexão histórica de suas práticas.Ciência & Saúde Coletiva, 15(5):2539-2550, 2010.

    MIRANDA, K.C. L.  e  BARROSO, M. G. T. A contribuição de Paulo Freire à prática e educação crítica em enfermagem.Revista Latino-Americana Enfermagem. 2004, vol.12, n.4, pp. 631-635.

    GADOTTI,M. Perspectivas atuais da educação.(trecho disponível em http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n2/9782.pdf)

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